terça-feira, 5 de julho de 2011

Primeiro solto por nova lei é proibido de frequentar casas de prostituição

Presos provisórios no país (Foto: Arte/G1)

Alteração no Código de Processo Penal entrou em vigor nesta segunda (4).
Prisão preventiva está proibida para penas inferiores a quatro anos.

O primeiro beneficiado em São Paulo por uma decisão judicial com base na nova lei de prisões teve a liberdade concedida sob a condição de não frequentar bares e casas de prostituição, segundo informações do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária). A nova lei, que altera o Código de Processo Penal para restringir hipóteses de prisão preventiva, entrou em vigor nesta segunda-feira (4) em todo o país. O indiciado, preso no sábado (2), também será obrigado a se recolher durante a noite.

A primeira decisão partiu de um juiz do Dipo, órgão que concentra todos os flagrantes da capital paulista. O indiciado foi preso por receptação porque estava com um cartão bancário furtado.
Segundo o diretor do Dipo, juiz Alex Tadeu Monteiro Zilenovski, ele já tinha condenação anterior e seria reincidente, mas foi considerado primário por juízes do departamento. “Como a condenação já tinha mais de cinco anos, o juiz entendeu que ele devia ser solto, e agora deve comparecer ao cartório para tomar ciência de suas obrigações”, afirmou ao G1.
Na tarde desta segunda (4), a primeira de aplicação da nova lei, a norma também começou a ser aplicada nas delegacias. Um empacotador de 18 anos, preso em flagrante nesta segunda pela Polícia Militar por suspeita de porte ilegal de arma, na Zona Sul de São Paulo, foi solto no 96º DP, no Brooklin, após pagar fiança. Antes da lei, o crime era considerado inafiançável e permitia à autoridade policial pedir a prisão preventiva do suspeito.

Medidas alternativas
A lei prevê nove novas maneiras de medida cautelar além da prisão. Entre elas, estão o comparecimento perante o juízo, a proibição de frequentar certos locais, proibição de manter contato com determinadas pessoas, de se ausentar de uma cidade, ter de ficar em casa durante a noite e o monitoramento eletrônico.
O Dipo também aplicou outras medidas alternativas nesta segunda: pagamento de fiança e a proibição de se ausentar do país a um preso estrangeiro, mas ainda não possuía detalhes sobre os casos. Houve também decisões que converteram flagrantes em prisão preventiva. “Esses casos de preventiva só ocorreram em roubo, tráfico de drogas e crime sexual", diz o juiz.
Segundo Zilenovski, os juízes do Dipo realizaram diversas reuniões para debater o tema, e a tendência é de aplicar as alterações da pena mais branda para a mais grave. "Essa lei era um anseio, porque agora os juízes têm mais opções para lidar com uma pessoa presa, que não aquelas soluções extremadas do 'prende ou solta'. Mas, se a lei se mostrar insuficiente, o juiz também pode endurecer a pena.”
Um dos problemas a ser sanado, conforme o diretor, entretanto, será a forma de fiscalizar as medidas cautelares, como a do primeiro solto pela nova lei. “Estamos conversando com a polícia, que é a quem cabe essa tarefa, para que seja feito um banco de dados para fiscalizar. Porque, do contrário, não adianta nada. Estamos preenchendo lacunas, mas é preciso que a polícia faça o trabalho dela. Queremos prender apenas se necessário, mas também quando for necessário. É preciso um equilíbrio”, complementou.
Carcaça de veículo, peças de picanha, boné e chocolate
A Defensoria Pública que atua no departamento, no entanto, informou que, durante a tarde, recebeu uma decisão contrária à nova lei. Apenas um, de dois presos primários detidos desde o dia 26 de julho por furtar uma carcaça de câmbio em uma empresa de peças de veículos, foi solto. "O outro vai ter que pagar fiança de 10 salários mínimos, mais de R$ 5 mil, porque não apresentou os documentos. Nós com certeza vamos recorrer, alegando que ele não tem condições de pagar esse valor", afirma a defensora pública Virgínia Sanches Rodrigues Caldas Catelan, coordenadora. Segundo ela, o bem, avaliado pela polícia em R$ 1.700, foi devolvido.
Essa foi a fiança mais alta que já recebemos aqui"
Virgínia Sanches Rodrigues Caldas Catelan, defensora pública em SP
A decisão trouxe à defensoria o temor de que juízes decidam trocar a preventiva pela fiança. "Essa foi a fiança mais alta que já recebemos aqui", critica a defensora.
"O intuito da fiança não é ser elitista", afirmou Zilenovski, ao ser questionado sobre o caso específico. Segundo ele, muitas vezes o magistrado só lida com poucos detalhes do flagrante e, depois, com a ajuda da própria Defensoria, vai ganhando mais elementos para tomar uma decisão final. "Essa lei determinou que o juiz tem que decidir na hora, o que não é ruim. Mas a própria lei diz, ninguém fica preso porque é pobre. O que eu posso dizer é que estamos vendo essa lei com muito boa vontade", completa.
Em outros casos, a Defensoria já começou a requerer a liberdade com base na nova lei, mas as decisões dos juízes, ou não levaram em conta a norma, ou juízes alegaram que a legislação ainda não estava em vigor. Em um deles, um homem de 20 anos confessou à polícia ter roubado o boné e um celular para comprar leite para o filho pequeno. Ele está preso desde o dia 27 de julho, tem residência fixa, trabalho, mas teve o pedido negado no dia 1º de julho.
Queremos prender apenas se necessário, mas também quando for necessário. É preciso um equilíbrio"
Alex Tadeu Monteiro Zilenovsk, juiz e diretor do Departamento de Inquéritos Policiais de SP
Outro homem, desempregado e morador de rua de 26 anos, foi preso furtando chocolates, refrigerante e pão-de-mel de um empório e encaminhado ao Distrito Policial da Sé, no centro da capital paulista. Confessou à polícia que furtou e "saiu comendo", segundo a defensora. Mas teve a liberdade negada porque não comprovou residência e trabalho. "Como ele vai comprovar se ele é morador de rua?", questiona Virgínia.
Também no dia 1º de julho, um juiz do Dipo negou liberdade a um gesseiro que passou pelo caixa de um supermercado sem pagar duas peças de carne, uma picanha e um filet de costela. Era primário, mas a decisão, já no pedido de reconsideração, entendeu que a nova lei não estava em vigor, não deveria ser aplicado o princípio da insignificância e que não existiam fatos novos que justificassem a soltura. O homem está preso desde o dia 22 de julho. Em todos eles, a Defensoria aguarda a reconsideração, que deve sair durante a semana, agora, com base na lei que já está valendo.
Dor de parentes
O G1, que passou o primeiro dia de vigência da nova lei acompanhando o trabalho da Defensoria Pública do Dipo, também presenciou familiares e amigos de presos à espera de uma informação sobre os detidos. É a Defensoria que realiza o primeiro atendimento aos parentes em busca de informações sobre as prisões. Com bebês de colo, crianças, idosos, muitos enfrentam filas e horas de espera pela assistência judiciária gratuita.
"Não acho que ele não tenha que ser preso. Para mim, é a mesma coisa roubar um cinzeiro e um milhão, mas tem que ter uma pena justa", diz Maria Cristina, 49, sobre o irmão adotivo de 34, viciado em crack e preso na última quinta por furto de um celular. Ela afirma que foi procurar atendimento depois de ter sido destratada na delegacia.
Ele está doente, não é bandido. Não é um animal, é um ser humano. A única coisa que nós queremos é o mínimo de cidadania"
Maria Cristina, que aguarda a soltura do irmão viciado em crack, preso por furto de celular
"Eles acham que a gente também é bandido, tratam a gente como marginal. Não pude fazer uma visita, meu irmão não toma banho desde que foi preso. Ele está doente, não é bandido. Não é um animal, é um ser humano. A única coisa que nós queremos é o mínimo de cidadania", afirma. Ela também é adotiva e estava acompanhada de outra irmã, também adotada, que não conteve as lágrimas. "Ele vai sair pior, aquilo é uma escola de bandido. Que Justiça é essa?"
Saiba mais sobre a nova lei
O intuito da Lei 12.403, segundo o Ministério da Justiça, é coibir a prisão para os chamados crimes leves, com penas inferiores a 4 anos: os furtos simples, crimes de dano ao patrimônio público, entre outros, desde que o acusado não seja reincidente. Para estes e todos os demais crimes dolosos (quando há intenção), o juiz passa a contar com nove medidas cautelares além da prisão, e a preventiva deve ser aplicada apenas como última saída.
A prisão em flagrante também não servirá mais para manter um suspeito atrás das grades, como hoje acontece. Além disso, os valores para fianças aumentam e serão revertidos, obrigatoriamente, em favor das vítimas de criminosos condenados. 

O preso provisório, aquele que está detido sem ter sido condenado, pode pedir a revisão da prisão com base na nova lei. Segundo o Ministério da Justiça, até dezembro de 2010, eles representavam 44% do total do país.
Matéria:g1.globo.com

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